Diário Imersão I com Sheila Ribeiro - INVISÍVEIS e SEM MICHAEL

Atenção: O diário que segue faz parte de uma série relativa à primeira imersão para construção do espetáculo Simpatia Full Time. Como os demais, ele é de minha autoria (Dayana Zdebsky). Embora essa série de diários tente conter as inúmeras vozes e diferentes perspectivas dos sujeitos do projeto a que se refere contem, como todo registro, visões parciais das mesmas. As palavras, idéias e posicionamentos remetidos a terceiros (ou mesmos os meus) são, nada mais e nada menos, que minha compreensão e interpretação dos mesmos, sempre datadas, momentâneas e por vezes fugazes. Como é uma produção massiva e “full-time”, peço de antemão desculpas pelos erros de português, frases mal construídas e informações fragmentadas.



Nos encontramos no hotel onde Sheila está hospedada. Subimos ao quarto dela e demos uma conversada antes de agirmos. Sheila disse que pensou em três “atividades” possíveis: (a) um exercício de sedução, onde cada uma elaboraria uma estratégia para seduzir as demais; (b) uma visita à mesquita local; (c) não me lembro o que era..

Após decidirmos que hoje iríamos à mesquita, Sheila comentou que acordou de madrugada com a seguinte frase em mente: “Tem alguma coisa disfarçada de respeito no SFT.” Com essa afirmação martelando na cabeça (ao menos na minha), começamos a nos arrumar para visitar a mesquita. Cândida trouxe alguns lenços que “vestimos” ainda no hotel. Demos uma pequena pesquisada na internet sobre diferentes formas de usar o lenço, diferentes estilos. Algumas de nós acharam que íamos ficar com a cara dos nossos antepassados “batateiros”, mas a verdade é que no fim das contas ficamos – modéstia parte - lindas. Partimos para a mesquita com a seguinte regra: a Sheila fala.

Chegamos lá e a mesquita estava fechada, mas tinha um rapaz apertando a campainha do templo. Como sabe um pouco de árabe Sheila o cumprimentou com um “salamaleico” (ou algo do gênero). Conversaram um pouco sobre a comunidade árabe local formada mais por sunitas (é assim que se escreve?) que por xiitas, mas que a mesquita estava sob os cuidados dos xiitas que, embora em menor quantidade são, segundo o rapaz, mais organizados. Pelo que eu entendi o moço é um brasileiro que estuda e optou por “seguir o Islã”. Também entendi que os xiitas são “mais abertos” à receber e aceitar o casamento entre muçulmanos e não-muçulmanos, mas que o casamento entre xiitas e sunitas talvez é algo ainda maias delicado por que daí os filhos não sabem se são xias ou sunos. Parece que há interesses políticos centrais em tal questão...

Conversas vão e conversas vêm, o rapaz disse que se o portão estivesse aberto poderíamos entrar para tirar fotos do lado de fora da mesquita e também conhecer o jardim. Sheila se divertiu com a arquitetura e decoração “abrasileirada” do jardim do templo. Quando estávamos indo embora, apareceu o responsável pelo lugar acompanhado de mais um rapaz e, então, pudemos entrar para conhecer a mesquita por dentro. Mas não sem respondermos perguntas como: Vocês vieram para rezar? Vcs são de que cidade? Vcs são muçulmanas? São brasileiras? Tem antepassados muçulmanos? Pudemos caminhar livremente pela mesquita (nossa ocupação não ficou restrita ao espaço feminino). Lá dentro Sheila continuou conversando com o responsável pelo espaço, falaram de estudos, de viagens, das línguas que dominam e de um tapete do Piu-Piu que Sheila viu em uma mesquita do Resbola. A partir disso Sheila nos explicou que os muçulmanos são iconoclastas, não cultuam imagens e que, em última instância, o fato do tapete ser do Piu-Piu não tinha importância alguma para os freqüentadores da mesquita, como se aquela imagem não estivesse ali e não significasse nada, que, em última instância, ela sequer era vista.

Depois que saímos do templo alguém sugeriu que fôssemos à Rua XV para apresentá-la à Sheila. Achei perfeito, uma conspiração dos astros ao meu favor: desde que vestimos os lenços pensei e sugeri que seria interessante utilizar tal acessório em espaços que freqüentávamos cotidianamente. Ninguém me deu muita atenção, mas acabamos fazendo o que sugeri com o tal passeio pela Rua XV. E a experiência se tornou ainda mais interessante. Sheila acabou tirando o lenço, mas as demais não (me incluindo). Não ficamos nada discretas, mas mesmo assim algumas pessoas conhecidas passaram por nós e além de não nos reconhecer (apesar de conhecer todas e saber que trabalhamos juntas) uma delas sequer retribuiu o cumprimento de uma de nós. E a pessoa em questão foi, inclusive, convidada para ser uma das interlocutoras da mostra do processo SFT-pesquisa. E quando Cândida comentou com ela o ocorrido, ela mesmo ficou pasma e ainda afirmou que lembra exatamente da situação e de nos ter visto sem nos reconhecer. Isso sem contar as pessoas que passavam por nós e faziam comentários como “viva o Islã”, “morte à [não sei o que]” ou “Alibabá”.

Eita ação interessante! Além de experimentarmos uma outra construção/apresentação do corpo (porque o lenço te coloca de fato em um outro posicionamento na relação corpo/mundo uma vez que serve como um “filtro/linha/divisa” entre estes. Talvez com ele não se seja “mais uma pessoa no mundo” mas “uma pessoa no mundo”. Ao mesmo tempo, ao cobrir a sua imagem exterior – pele e cabelos – parece que a roupa muçulmana te coloca no mundo valorizando algo que está além a superfície visível do seu corpo...), aprendemos uma forma de ser um outro no mesmo lugar que ocupamos, de nos tornar invisíveis para uns e visíveis para outros.

fase 2)
Optamos por continuar nosso trabalho jantando. Mal chegamos ao restaurante, abrimos o computador e lemos a manchete: “Michael Jackson is dead”. Não deu outra: ficamos grande parte da noite falando the king of pop music: sua presença em nossa adolescência, sua imortalidade, sua figura icônica, as “noções ocidentais” de raça e gênero com as quais “brincou”, sua importância ética e estética para o mundo atual, a violência do processo de construção e destruição das estrelas estadunidenses, o fato de que nunca mais haverá uma figura como ele (quem, no atual contexto virtual, venderá tantos discos e CDs como ele?). MJ foi e é um monstro.
Mesmo com a notícia bombástica acima e as inúmeras reflexões que derivaram dela, discutimos algumas questão simpáticas importantes. Sheila voltou a falar “de alguma coisa disfarçada de respeito no SFT”. Perguntei o que era e ela respondeu que eu deveria pensar e encontrar tal resposta. Eu disse que até achava que tinha uma noção do que era, mas que não conseguia lidar com o negócio... “Desloca ao invés de buscar a resposta”...
Logo após a bola da vez foi o tal do bizarro mencionado outras vezes no diário. Sheila apontou o bizarro como uma espécie de recurso estético dentro do Simpatia e colocou que ele pode ser uma escolha, mas que ele não pode ser confundido com o mostro. O bizarro é algo que “pertence ao nosso mundo”. Está ligado à indústria cultural, é endogâmico ao nosso mundo. Já o monstro é uma figura mítica que circula por diferentes “mundos”. Ele é “uma manifestação do sagrado e do incontrolável”; é humano, sobre-humano e animal; é algo mágico e onírico; material e imaterial; vivo e morto. É um ser capaz de unir o que está separado.
Outro conceito que usamos que Sheila problematizou é o de territórrio. A palavra se refere comumente ao espaço físico, com fronteiras demarcadas, com limites definidos. Está relacionado ao espaço material, geográfico. Espaços estes que são “vencidos” por espaços virtuais, a exemplo da utilização do como o twitter como um recurso de protesto no oriente médio. Disse que contemporaneamente muitos autores preferem falar de “local” ao invés de “território.

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